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Medidas de Adaptação às Alterações Climáticas no contexto dos estaleiros de construção civil – O caso da Casais Gibraltar

Agradecimentos: Este trabalho não teria sido possível sem o contributo de toda a equipa da Casais Gibraltar.

 Introdução

As alterações climáticas são hoje uma realidade incontornável. Mesmo que hoje se parassem totalmente as emissões os seus efeitos continuarão a manifestar-se durante décadas (AEA, s.d.; McKinsey Global Institute, 2020). Estes efeitos incluem os eventos climáticos extremos, quer em termos da sua magnitude quer em termos da sua frequência, que têm fortes e complexos impactos sociais e económicos (NASA, s.d.). Na verdade, as ações humanas são responsáveis pela aceleração do aquecimento principalmente nos últimos 60 anos. Do aquecimento decorre o aumento da temperatura, o que tem causado impactos significativos nos ecossistemas e na vida diária das populações, e se manifestam em secas, inundações, ondas de calor e todos os tipos de eventos extremos (Allen et all, 2018; IPCC, 2014; Hoegh-Guldberg et al, 2018).

No entanto, se as mudanças climáticas são uma realidade global, os impactos são experimentados ao nível local (NASA, s.d.; McKinsey Global Institute, 2020). As ações ao nível local são por esse motivo fundamentais quando se trata de lidar com esses impactos. Torna-se assim urgente desenvolver as ações que permitam mitigar e desacelerar este processo, mas também as ações de adaptação que permitam responder de forma mais eficaz às consequências de tais eventos.

Duas abordagens diferentes estão em jogo. Por um lado, a mitigação, que visa reduzir as mudanças climáticas e, por outro lado, a adaptação, que se refere às ações para lidar com os impactos das mudanças climáticas (IPCC, 2014). A adaptação a um clima em mudança envolve ajustes para que se possa reduzir a vulnerabilidade aos efeitos negativos das mudanças climáticas, como é o caso dos eventos climáticos extremos (NASA, s.d.). Tanto a mitigação como a adaptação têm como objetivo reduzir vulnerabilidade e exposição aos impactos das mudanças climáticas (Allen et al, 2018).

No caso do setor da construção civil, e neste artigo em particular, o foco está na forma como, através da adoção de medidas de adaptação, se pode aumentar a resiliência e prevenir alguns dos impactos dos eventos extremos das alterações climáticas nos estaleiros de obra e nas pessoas que trabalham nesses estaleiros, através do seu planeamento e conceção, procurando soluções e respostas. O contexto geográfico objeto é o território de Gibraltar, pelo que serão abordados com maior ênfase os fenómenos mais relevantes que decorrem da sua localização e das condições climáticas que aí se verificam. O contexto específico são os estaleiros de obra da Casais Gibraltar.

Medidas de adaptação nos estaleiros da Casais Gibraltar

As medidas de adaptação às alterações climáticas são, em muitos dos casos, medidas de boas práticas e de higiene e segurança e permitem às empresas responder, nas suas obras, de forma mais resiliente, aos eventos climáticos extremos com que se deparam. Tal passa por abordagens de natureza preventiva e pró-ativa, planeando meios e ações, que permitam aos estaleiros e às pessoas que neles trabalham reagir de forma mais rápida e eficiente nestas situações.

A implementação de medidas de adaptação corresponde também a uma ação com consequências nos processos de certificação de qualidade de edifícios. Ao adotar medidas de adaptação nos seus estaleiros de obra, demonstrando práticas de construção responsáveis, preocupações com as alterações climáticas e uma atitude inovadora nas suas práticas, o Grupo Casais, viabiliza aos requerentes deste tipo de certificação a obtenção de créditos importantes para a classificação final e consequentemente para a sua valorização.

Devido à sua localização, Gibraltar irá sofrer eventos extremos relacionados com altas temperaturas e ondas de calor, diminuição da precipitação e aumento das secas, bem como uma mudança na sua distribuição que levará a um aumento das cheias repentinas, fenómenos estes que irão agravar-se nos próximos anos (Hoegh-Guldberg et al, 2018; HMGov Climate Change, s.d.; Lightbody et al, 2015). Outra característica importante sobre o clima de Gibraltar é o vento forte, os “westerlies“, que podem atingir velocidades próximas dos 30 m s-1 e os “levantes“, que estão associados a temperaturas extremamente quentes durante o Verão (Hidalgo e Gallego, 2019).

Para a avaliação do conjunto de medidas de adaptação face a eventos climáticos extremos, adotadas nos estaleiros da Casais Gibraltar (relativos ao estaleiro físico e aos trabalhadores), foram realizadas reuniões com os diretores de obra e alguns técnicos de segurança nas obras mais relevantes em curso na Casais Gibraltar.

Um aspeto identificado interessante tem a ver com a política da empresa de promover no início de cada dia de trabalho (sessões diárias) os “5 minutos de segurança”, durante os quais são transmitidas informações relevantes relativas aos trabalhos previstos para esse dia e que incluem alertas e recomendações relacionadas com as condições físicas e climatéricas.

Formação contínua: 5 minutos de segurança

No que se refere aos efeitos da precipitação elevada, a adequada drenagem e manutenção dos caminhos de circulação e da área de estaleiro permitem controlar perdas de produtividade na movimentação, bem como reduzir os riscos de acidentes. Tal implica a disponibilidade de equipamentos de estaleiro para fazer drenagem pluviométrica (nomeadamente bombas hidráulicas). Esta situação contempla ainda a singularidade da drenagem de águas associada ao ciclo de marés nas obras próximas da orla costeira.

Em termos de produtividade, o uso de vestuário adequado (impermeáveis e galochas) e o recurso a medidas extra, como a rotatividade de equipas e a programação de frentes de trabalho alternativas, constituem uma forma de evitar paragens e os custos associados e, simultaneamente, permitem resguardar as equipas do trabalho em condições adversas e durante períodos longos, evitando a sua exaustão e o consequente aumento do risco de acidentes de trabalho. Do mesmo modo as coberturas provisórias nas frentes de trabalho e os tapumes provisórios nos vãos exteriores em fase de construção de obra asseguram uma proteção dos trabalhadores face ao elemento chuva. A criação de áreas secas para abrigo e mudança de vestuário e o acesso a cacifos permitem aos trabalhadores manter-se secos. 

No conjunto dos eventos climáticos e dos seus impactos no estaleiro de obra em Gibraltar, o vento assumiu particular relevo como se observa pelo número de medidas e cuidados extra. Relativamente a medidas correntes destaca-se a cálculo estrutural de tapumes, elevadores, gruas e andaimes considerando as condições de vento e a verificação periódica de todos os equipamentos de elevação e das suas fixações e amarrações, bem como a paragem da grua para velocidades superiores a 40 Km/h e/ou de acordo com indicações dos fabricantes, recorrendo a meios de elevação alternativos (elevadores para pessoas e materiais) que permitem a redução de perdas de produtividade por paragem da grua.

As medidas extra referem-se quer ao estaleiro físico quer aos indivíduos. No primeiro caso destacam-se as medidas para diminuir o impacto dos ventos fortes e que incluem a paragem da grua para velocidades do vento inferiores às recomendadas face às condições de aceleração e vórtices decorrentes da proximidade ao rochedo, a utilização de plataformas de trabalho protegidas, bem como o uso de malha mais larga nas redes de proteção de andaimes e de painéis perfurados para redução das pressões do vento.

Outras medidas importantes são a colocação de molas aéreas nas portas do estaleiro e sistemas de travamento de portas, e o recurso jaulas para facilitar o transporte dos WCs portáteis para as lajes após limpeza/higienização, reduzindo assim a oscilação dos mesmos por ação do vento, no momento do transporte.

É também reforçado o controle de poeiras através de regas periódicas, o acondicionamento de materiais, ferramentas e equipamentos evitando o seu arrastamento pela ação do vento, e procede-se à limpeza frequente do estaleiro.

No caso da obra do HCT, e dadas as condições gravosas do vento, a proximidade ao rochedo e a altura dos edifícios foi montada uma estação meteorológica para monitorização das condições de vento. Como estratégia construtiva, recorreu-se à montagem de uma plataforma com proteção perimetral permitindo a operação dos trabalhadores em condições de segurança e maior conforto.

No caso dos indivíduos as medidas extra englobam medidas como a existência de frentes de trabalhos alternativas face a paragem por ventos fortes e a rotatividade de tarefas pelos motivos indicados anteriormente, bem como tapumes provisórios nos vãos exteriores em fase de construção de obra. A proteção individual dos trabalhadores é reforçada pelo uso de francaletes para segurar capacetes de segurança, óculos para a proteção contra partículas em suspensão e de tampões para ouvidos (em particular no inverno quando o vento associado a temperaturas mais baixas dá origem a sensações térmicas mais desconfortáveis).

Outro tipo de evento de relevo prende-se com as temperaturas elevadas, alertando, no entanto, para o fato de, apesar de as temperaturas no inverno em Gibraltar não serem muito baixas quando comparadas com outras geografias, os ventos fortes agravarem significativamente a sensação térmica afetando os trabalhadores. Neste sentido, medidas como a disponibilização de vestuário adequado, de bebidas quentes e de tampões para ouvidos, foram tomadas, para atender a este contexto particular.

Relativamente às temperaturas elevadas, as medidas correntes incluem as coberturas provisórias nas frentes de trabalho para sombreamento, a hidratação dos colaboradores e o uso de vestuário adequado.

Nas medidas extra foram introduzidas a disponibilização de frigorífico com água e fruta frescas, a rotatividade das tarefas reduzindo os períodos de exposição ao sol, o uso de óculos de sol e de protetor solar, e uma ventilação adequada dos espaços.

De referir a importância nos edifícios altos como as torres do HCT dos elevadores de pessoas para reduzir o cansaço devido às deslocações e aumentar a duração do tempo de descanso durante o período da pausa para almoço (tempo e energia poupados ao não terem que usar as escadas nas suas deslocações). As estações de paragem existem de 3 em 3 pisos. O mesmo acontece com a colocação de WCs portáteis, em média de 8 em 8 pisos (deslocação máxima de 4 pisos).

As temperaturas elevadas também afetam o equipamento, provocando sobreaquecimento e aumentando o risco de incêndio, tanto em máquinas como em materiais inflamáveis no local, pelo que o seu acondicionamento e proteção contra o calor devem ser assegurados, nomeadamente pelo sombreamento.

Conclusões

As conclusões mais relevantes deste trabalho prendem-se com três aspetos. Em primeiro lugar, nas obras de construção civil, no conjunto de medidas que resultam da aplicação dos regulamentos, normas e recomendações em matéria de higiene e segurança no trabalho, estão já contempladas medidas que se podem considerar medidas de adaptação. Em segundo lugar, a implementação de medidas de adaptação em estaleiros de construção implica o conhecimento das especificidades locais em matéria de geomorfologia e clima de modo a assegurar uma resposta adequada às condições de trabalho locais.

Finalmente a terceira, e a mais relevante conclusão, refere-se à postura e modo de operar da Casais Gibraltar que para além das medidas correntes preconizadas no âmbito da higiene e segurança no trabalho tem vindo a implementar de forma sistematizada um conjunto de medidas extra, bem como a reforçar as medidas correntes, que decorrem das caraterísticas do clima e situação geográfica, a saber as medidas para fazer face a eventos como ventos fortes, temperaturas elevadas/baixas e precipitação/inundações.

Desta forma tem investido no aumento da resiliência nas suas obras, reduzindo o impacto destes eventos no estaleiro físico e nos trabalhadores, reduzindo perdas de produtividade e os custos associados, e reduzindo os riscos para a saúde dos trabalhadores, bem como os acidentes de trabalho associados quer aos eventos propriamente ditos quer à diminuição da concentração por fadiga agravada devida à exposição aos elementos climatéricos.

A Casais Gibraltar revela assim um perfil de empresa voltada para o futuro e para os objetivos de sustentabilidade do Grupo Casais, contribuindo de forma assertiva e pró-ativa para uma contínua melhoria do seu processo produtivo e para uma “construção” da sua resiliência face às alterações climáticas.

Referências bibliográficas

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