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Edifícios e veículos elétricos unem-se para a descarbonização

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Descarbonização é a palavra do momento e, nesta batalha, os edifícios ganharam um novo aliado: o veículo elétrico. Neste cenário, espera-se que a revisão da lei comunitária para o parque edificado seja não só uma alavanca para melhorar a sua eficiência energética, mas que sirva também de impulso para a mobilidade elétrica.

Portugal já assumiu o seu compromisso: atingir a neutralidade carbónica até 2050. A estratégia para o cumprir já está delineada, com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, apresentado ao país em Outubro passado e no qual a acão na eficiência energética dos edifícios e na reabilitação urbana faz par com a aposta na mobilidade elétrica.

O casamento entre os dois sectores foi já reconhecido por Bruxelas e a futura diretiva europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios (EPBD) deverá ter um papel importante nessa união. Miguel Aries Cañete, comissário europeu para a Acão Climática e Energia, afirmou, durante o Renovate Europe Day, que teve lugar em Outubro de 2017, que a “EPBD é o único instrumento” existente para aumentar o carregamento de veículos elétricos em edifícios privados. “A EPBD é uma ferramenta política poderosa para acelerar a disseminação da infra-estrutura de carregamento [elétrico]”, disse.

Mas como pode uma directiva para os edifícios influenciar a adopção de veículos elétricos? A novidade surgiu em Novembro de 2016, quando a Comissão Europeia apresentou o pacote de medidas “Energia Limpa para todos os Europeus”, que vai reger as orientações para a energia do Velho Continente até 2030, incluindo uma proposta de novo texto para as diretivas dos edifícios, da eficiência energética e das renováveis. Na proposta de revisão da EPBD, entre as novidades, surge a integração com as infraestruturas de carregamento para a mobilidade elétrica no local. Com a aprovação da proposta, que ainda não está concluída, estas passarão a fazer parte dos Sistemas Técnicos de Edifícios e a contar para o novo Indicador de Inteligência (Smartness Indicator), cuja finalidade será avaliar a “maturidade tecnológica” dos edifícios para receber soluções inteligentes e, assim, adaptar-se às necessidades de ocupante e da rede, melhorando o seu desempenho.

Uma relação win-win

Tal como em todos os casamentos, também neste edifícios e veículos elétricos terão, cada um, um papel a desempenhar. A descentralização da produção de energia com origem renovável já há muito que se planeia. Edifícios ou comunidades que geram mais energia do que aquela que usam vão ter um excedente que poderá muito bem servir para abastecer os modos elétricos. Estes, por seu lado, não serão apenas “sugadores” de energia e estima-se que possam dar também um contributo aos edifícios. Como? “Pela primeira vez, conseguimos ter, de forma distribuída, muita energia disponível nas cidades para consumo local”, responde José Henriques. O responsável da Magnum Cap, empresa fabricante de equipamentos de carregamento, explica que o veículo elétrico pode absorver os excedentes de produção renovável local e usá-los para fins de mobilidade ou servir enquanto dispositivo de armazenamento. Funcionando numa lógica Vehicle-to-Grid ou Vehicle-to-Home, essa eletricidade fica armazenada na bateria e poderá ser injetada de volta na rede nos momentos de maior pico, quer para autoconsumo, quer para venda, ou ainda para ajudar à estabilização da própria rede.

Esta é, para João Peças Lopes, professor catedrático na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, uma situação win-win. “Vai permitir aliviar a rede em situações críticas, mas vai também permitir que a bateria satisfaça a procura individual, doméstica ou do edifício, ou, com várias baterias, satisfazendo as necessidades em certos períodos… E conduzindo, até, a uma situação mais ambiciosa de ter uma maior resiliência do sistema elétrico em situações de catástrofe, de acontecimentos que podem levar à perda da infraestrutura de rede e em que, através da bateria e da energia armazenada, é possível ter autonomia, pelo menos, por algumas horas”, argumenta o também responsável do INESC TEC.

Para que tudo isto se concretize, porém, faltam ainda algumas questões importantes a resolver. José Henriques aponta a regulação – “Se eu conecto o meu veículo e este injeta energia à rede, tenho de receber dinheiro por isso. É uma questão legal”. A isso, Peças Lopes acrescenta o facto de os fabricantes de veículos elétricos ainda não disponibilizarem inversores bidirecionais. Mas ambos estão convictos: vai acontecer. “O veículo elétrico será sempre um complemento ao estacionário que esta a ser pensado para os edifícios”, diz José Henriques, “é normal que, no modelo energético de futuro, exista muita produção renovável e, como esta é intermitente, exista sempre a necessidade de armazenamento intermédio e este poderá ser feito com baterias em grandes centros de armazenamento ou numa forma distribuída nos próprios edifícios”.

De onde vem a eletricidade?

Imprescindível para cumprir o desígnio da descarbonização será a origem da eletricidade que abastecerá os veículos. “Ao fazermos esta transição para a mobilidade elétrica, queremos fazê-la assegurando que a energia elétrica que vai carregar estes veículos tem origem renovável”, refere João Peças Lopes.

Nessa matéria, Portugal não está mal posicionado. A capacidade instalada de energias renováveis tem permitido que uma boa fatia do mix elétrico nacional seja assegurado por fontes renováveis (segundo dados da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis, em 2016, essa fatia foi de 67 %), mas é preciso ter em conta a questão da intermitência. “Será sempre necessário um sistema de backup”, alerta o especialista.

O armazenamento de energia elétrica traz expectativas, mas não é ainda uma solução definitiva, pelo que é preciso acautelar a gestão inteligente de energia, nomeadamente no que se refere ao carregamento elétrico. Se todos carregarem os seus veículos ao mesmo tempo – por exemplo, quando se chega a casa depois de um dia de trabalho –, a rede não vai suportar esse pico de consumo, por isso será precisa uma “abordagem inteligente”. Por outras palavras, um sistema que faça a gestão do carregamento, escolhendo qual o melhor período para que este aconteça, tendo em conta as circunstâncias, como a carga de rede, o tarifário e o perfil do utilizador. “Isso trará um novo player ao mercado”, avança Peças Lopes. “Este agente agregador vai ter a possibilidade de, através de uma rede de comunicações, determinar o momento em que se inicia o carregamento das baterias dos veículos elétricos, vai ser ele que vai enviar um sinal a dizer ‘arranca agora’ ou, se necessário, em determinados períodos, interromper o carregamento, porque a rede está numa situação de maior stress e é necessário reduzir as cargas, e vai, entretanto, servir de interface em todo este processo, dialogando aqui não com o mercado, mas com o operador da rede elétrica”, ilustra.

De acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE), em 2016, foram vendidos mais de 750 mil carros elétricos novos em todo o mundo, com a China a representar 40 % das vendas. Mas é na Europa, mais precisamente na Noruega, que mais carros elétricos circulam. O país escandinavo tem 29 % da sua frota automóvel elétrica. Em todo o mundo, a tendência é de crescimento, mas, ainda assim, os especialistas consideram que, só a partir dos próximos 20 anos, a mobilidade elétrica vá corresponder à totalidade das frotas.

A transição vai fazer-se a diferentes velocidades, conforme o modo, porque não se trata apenas de “carros elétricos”, explica João Peças Lopes. “Nos veículos de duas rodas, [a transição] pode fazer-se muito rapidamente, já nos transportes públicos vai demorar um pouco mais de tempo”, prevê, explicando que, para estes últimos, “o carregamento em termos tecnológicos está mais atrasado porque as potências em jogo são muito superiores”.

A mobilidade urbana e os desafios que dela decorrem, como o congestionamento, a poluição, o ruído, a ocupação abusiva do espaço público, e que hoje afetam as cidades, resolvem-se com a eletrificação? Certamente que não. “A mobilidade nas cidades não vai só passar pelo veículo elétrico, há outros vetores de mudança, como a mobilidade suave, o carsharing [partilha], os veículos autónomos. Estou convencido de que estes vão evoluir com ritmos diferentes e que a mobilidade elétrica vai ser determinante nesta mudança”, conclui Peças Lopes.

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